Marcus Vinicius de Azevedo Braga
A trajetória da gestão de riscos no Brasil passa necessariamente pelo impulso atribuído a esse tema pelos órgãos de controle (Souza et al., 2020), coincidindo com o aumento do protagonismo destes no Século XXI, com iniciativas isoladas contrastando a marcos legais relevantes como a Instrução Normativa Conjunta MP/CGU nº 01, de 2016, do então Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP) e da Controladoria-Geral da União.
A ascensão da temática da gestão de riscos no setor público se dá de forma concomitante a explosão da agenda da integridade, sinalizada pelos decretos nº 8.420, de 18 de março de 2015 e nº 9.203, de 22 de novembro de 2017, além de um sem-número de cartilhas e portarias surgidas na derivação do momento político marcado pela Operação Lava-Jato, no qual a agenda anticorrupção tomou o debate público.
Fagocitada pela agenda da integridade, a semente da gestão de riscos nos moldes dos modelos da ISO 31000 e do COSO- "Committee of Sponsoring Organizations" encontra dificuldades de vingar, carecendo de patrocínios e de tração política, em especial por se vincular a uma discussão finalística, de entregas de políticas públicas, o que ficou um tanto démodé frente a apelos de conformidade e de foco na conduta na esfera dos problemas públicos.
Raro ver organizações públicas que romperam a fase das palestras e da sensibilização na implementação da gestão de riscos, e quando muito, vemos hercúleos esforços no levantamento de todos os riscos da organização, e pouco se vê do tratamento, a essência do processo, em última análise, por cuidar das salvaguardas e a sua suficiência diante dos riscos.
Com apostas na estratégia de mudar a cultura organizacional e na ideia do comprometimento da alta organização (Tone at the top), a implementação da gestão de riscos no setor público brasileiro nesses últimos dez anos de intensas movimentações e articulações, ainda se encontra muito aquém do necessário, o que é preocupante, pois se furta do debate de uma visão que lida com a incerteza e que dialoga com a efetividade de políticas públicas.
Traz-se assim a reflexão de se essa abordagem culturalista e de comprometimento da alta administração na implementação não precisa ser revista, como apresentado por Braga (2017), para uma visão mais focalizada, de assessoria, na escolha de programas prioritários e de peso político, envolvendo na implementação a base da pirâmide, capitalizando os ganhos dessa abordagem frente as ações centrais da agenda.
Que a agenda da gestão de riscos não seja algo de per si, e sim que seja uma abordagem que busque transcender o chamado tom do topo, se vinculando como elemento facilitador das diretrizes que vem da cúpula, mostrando-se necessária pela grandeza de suas entregas e não apenas pela beleza da força de seu discurso e da aparência de engajamento, pois esta pode possibilitar a efetiva redução dos erros, problemas e insucessos de iniciativas caras a gestão.
Ao invés de se alimentar o desejo de uma gestão de riscos urbi et orbi, que tente envolver toda a organização em um processo de identificação, avaliação e tratamento de riscos, com um grande plano de tratamento, propõe-se que diante dos grandes projetos priorizados pela organização pública, geralmente derivados de debates do processo eleitoral, que a gestão de riscos se apresente como ferramenta de excelência no trato prévio e concomitante das iniciativas, garantindo maior chance de sucesso.
Práticas como a estruturação da chamada segunda linha (The Institute of Internal Auditors, 2020), promovendo mentorias focadas na média gestão, direcionadas a processos relevantes, com a apresentação de relatórios da experiência que materializem os ganhos da adoção da gestão de riscos, podem ser mecanismos de maior adesão a essa abordagem, por entender ela útil e aplicável, fugindo dos riscos do modismo, da ação periférica ou ainda, de julgar a gestão de riscos uma panaceia.
Desse modo, a gestão de riscos assume um papel estratégico, sem ser necessariamente pela via de ser incorporada no discurso das autoridades, mas ao se vincular como reforço no processo de implementação do que está na pauta dessas mesmas autoridades, vinculando a gestão e a política, e contribuindo com a excelência das políticas públicas frente ao cidadão, em uma mudança na forma de se enxergar esse tema que pode ser essencial para o resgate dessa agenda, que é relevante, mas que pode se fazer mais importante ainda, por conta dessa nova visão.
Referências
Braga, M. (2017). Risco bottom up: uma reflexão sobre o desafio da implementação da gestão de riscos no setor público brasileiro. Revista da Controladoria Geral da União, 9(15), 682-699.
Souza, F. S. R. N., Braga, M. V. A., Cunha, A. S. M., & Sales, P. D. B. (2020). Incorporation of international risk management standards into federal regulations. Revista de Administração Pública, 54(1), 59-78. Retrieved from
https://doi.org/10.1590/0034-761220180117x
*Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Diálogos Publius.
Marcus Vinicius de Azevedo Braga, Doutor em Políticas Públicas (UFRJ).